Acampar meio à mata de restinga, frente ao mar, longe da
civilização – Camping Caracol, Picinguaba (SP).
Em janeiro de 2016, retornamos ao Camping Caracol, na Praia da Fazenda,
em Picinguaba, (Ubatuba, SP).
Camping
Caracol em Ubatuba
Seria muito bom se tivéssemos mais opções de campings, como o Caracol (http://www.campingcaracol.com.br/),
para quem procura acampar como forma de se conectar à natureza. O nome Caracol veio
da proposta original, de disposição dos lotes ao redor de uma estrada em
espiral, algo em parte modificado.
Há inúmeros campings bons em Ubatuba e outras localidades dessa maravilha
que é o litoral SP-RJ, entrecortado de baías e costões. Mas em nenhum será
encontrada a paz que se tem nesse camping.
Deve-se perguntar o porquê do litoral norte de São Paulo ser diferente do
sul do Estado, caracterizado por longas e retilíneas praias, com pouco ou
nenhum costão rochoso. Essa parte norte do nosso litoral, juntamente com a
contígua no Rio de Janeiro, vem sofrendo ou sofreu abatimento em escala
continental, por isso o mar avança no sentido da Serra do Mar e entalha, na
rocha, baias e diferentes praias, ao contrário do litoral Sul de São Paulo, que
vem sendo soerguido, expondo sedimentos que antes estavam no fundo do mar. É
como se fosse uma gangorra gigante, com seu eixo na altura do Guarujá: o sudoeste
se ergue, enquanto o nordeste se rebaixa, proporcionando essa contrastante
diferença de praias.
Por se encontrar dentro do Parque Estadual da Serra do Mar, a entrada de
carro no camping tem que ser autorizada previamente, por isso, é necessário
agendar pelos e-mails mayli@campingcaracol.com.br
e campingcaracol@gmail.com. O acesso de carros à Praia da Fazenda não é
permitido e a entrada é vigiada 24h pelos seguranças do parque.
O ideal é passar dias no camping, sem sair, para entrar em sintonia com a
natureza, entrar no clima de um ócio agradável e prazeroso. É tranquilizador, quase
um remédio, ficar no ‘sem fazer nada’, ver as famílias com suas crianças sentadas,
brincando, feito índios.
Por não ter energia elétrica, uma dificuldade é conservar alimentos, mas
esperamos que o Mayr resolva o
fornecimento diário de gelo. Aí daria para ficar despreocupado, esquecer-se de
usar o carro.
O
Camping Caracol proporciona acampar meio às árvores e bem em frente à praia.
Para quem desejar um peixe, camarão e lula, da para adquirir perto, mas
terá que ir de carro, até a Praia do Estaleiro, na Peixaria e Restaurante Raízes
do Jardel, com excelente comida e atendimento.
Passa-se dias camping Caracol, sem internet, com más conexões de celular (pega
bem apenas Vivo e Claro) e sem televisão, o que aumenta a disposição para leitura.
A Camila e sua amiga Loli leram quatro livros cada uma em uma semana!
Sala
de leitura do Camping Caracol...
Vejo com bons olhos o retorno e aumento do interesse por acampar, não como
opção mais em conta de se fazer turismo, mas sim por quem procura maior contato
com a natureza.
Acampar proporciona também mais contato com as pessoas, conhecer gente
nova, com os mesmos interesses, o que por vezes não é proporcionado em uma
pousada, onde as pessoas se trancam em seus apartamentos.
Mayr
(em pé) e Eli (sentada e apontando para a câmera) – proprietários e
responsáveis pela manutenção das condições especiais do camping. O bom de
acampar é a possibilidade de conhecer novas pessoas, como as nossas sorridentes vizinhas.
Outra questão nova
nos acampamentos, a ser revisada, é o cardápio das refeições – chega de miojo!!!
Da para inovar, sim!!! E muito!
Yakissoba
- uma boa opção de cardápio no acampamento.
O
Camping Caracol tem uma pequena cozinha para quem não tem a sua própria, a qual
está sempre limpa e organizada.
Banheiros
limpos, nos feriados, onde atinge sua capacidade máxima de 180 pessoas, para as
50 quadras disponíveis, a limpeza é constante, praticamente 24 h por dia. A luz
é fornecida por gerador e agradável banho quente através de aquecedor a gás.
Não há energia elétrica no camping.
Mas para não dizer que não falamos, ou escrevemos, das pedras, seguem
algumas informações sobre a geologia.
No canto sudoeste da Praia da Fazenda afloram rochas graníticas, que são rochas
ígneas, formadas pela cristalização de quartzo, feldspato e mica, após
resfriamento do magma, a dezenas de quilômetros de profundidade na crosta.
Notem como os grandes blocos têm a típica forma arredondada... Sabe por quê?
Não é por rolamento, pois esses blocos pouco ou nada se movimentaram.
Blocos
arredondados de granito no canto sudoeste da Praia da Fazenda (Núcleo
Picinguaba do Parque Estadual da Serra do Mar). Os granitos formam-se pelo
resfriamento de magma, a dezenas de quilômetros de profundidade, através de cristalização
lenta. Como explicar então a presença dessas rochas na superfície? Explica-se
pelo contínuo e longo processo de erosão, com a remoção das rochas de cima, até
o afloramento das que se encontravam em profundidade.
O granito, nessa
ponta da praia, apresenta estruturas interessantes, com orientação dos
minerais, principalmente as micas, na forma de dobras – é o que chamamos
foliação, resultado de deformações que sofreram.
Deformações
e orientação dos minerais na forma de dobras (detalhes abaixo) nos minerais do
granito.
Detalhe
das dobras na rocha granítica, a qual, devido às transformações, deixaria de ser
um granito propriamente dito e seria melhor definido como um gnaisse, que é um
granito metamorfizado, mas nem todo ele encontra-se assim, deformado.
Um olhar mais
atento chamará a atenção para um corpo vertical, parecendo um muro, de rocha
mais escura, verde escuro, quase preta, chamados de diques.
O
corpo granítico é cortado por corpos verticais, chamados de diques, de rocha
mais escura – o diabásio.
Os diques de
diabásio são comuns nas regiões costeiras e ao longo da Serra do Mar e, no
geral, apresentam orientação noroeste, perpendicular à toda margem da costa do
Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro. Essas estruturas estão relacionadas à
abertura do Oceano Atlântico e separação entre a América do Sul e África,
inciada por volta de 130 milhões de anos atrás, idade provável do magmatismo do
diabásio no presente dique. Com os intensos esforços tectônicos, fraturas se
abriram na crosta e, através delas, subiram grandes quantidades de magma que,
resfriado, originaram o diabásio.
Notem como o
diabásio engloba a rocha granítica encaixante, mais antiga, o que demonstra bem
o processo de magmatismo e como o material era fluido, plástico. Essa
observação, aparentemente óbvia, mudou a forma de pensar a origem das rochas na
Terra. Ao final do século XVIII, predominavam as ideias do alemão Abraham G.
Werner (1749-1817), cujas aulas contou com a participação do santista
José Bonifácio (1763-1838). Segundo Werner, grande parte das rochas do planeta tiveram
origem em um imenso oceano primordial. A partir desse grande oceano, os
granitos, basaltos e diabásios teriam se
precipitado e, por isso, essa teoria recebeu o nome de Neptunismo, em referência
ao Deus do Mar – Neptuno. Naquela época, essa ideia, criada sem observação da
natureza, de forma quase filosófica, vinda apenas das reflexões que surgiam de
mentes brilhantes, teve grande aceitação pela igreja católica, por remeter à
ideia do Dilúvio, apesar de Werner não fazer referência direta ao evento
bíblico.
As rochas então
formadas, nesse grande oceano primitivo, eram tidas como “primárias”. A ação
erosiva, seguida de deposição, daria origem a outras rochas, mais novas, as
secundárias. Foram encontrados sedimentos sobre as rochas secundárias, pela
lógica, definidas então como terciárias, mas a observação da natureza
demonstrava também a presença de sedimentos mais novos ainda, sobre os terciários,
então seriam quaternários. Essa sequência de definição dos pacotes rochosos
seria a explicação da definição dos termos Terciário e Quaternário na escala do
Tempo Geológico. Por ter como base o Neptunismo, concepção não mais aceita hoje,
os termos foram abolidos por comissões do IUGS – International Union of Geological Science e substituídos,
respectivamente, por Paleógeno e Neógeno. Por pressão dos “quaternaristas” –
pesquisadores que focam seus estudos nesse intervalo de tempo, o termo
“Quaternário” voltou formalmente à escala do Tempo Geológico, e lá permanece.
O que é
interessante na Ciência, longe dessa chegar mesmo que próxima à verdade
absoluta, é a busca incessante pela mesma. A Ciência moderna
tem por base hipóteses que devem ser testadas. Muitas delas sobrevivem por não
existir uma melhor...Porém, a observação e a demonstração das evidências são
fundamentais para suas formulações e comprovações. Como explicar então que a
formação de um granito ou basalto se daria a partir da água do mar? Não havia –
e não há – nenhuma evidência disso!
James Hutton,
motivado por um momento especial que vivia na Escócia, conhecido como The Scottish Enligtenment, junto com
outros grandes pensadores, como Adam Smith, pai da Economia Moderna, se dedicava
a entender a natureza. Duas observações suas foram fundamentais para
revolucionar as presentes ideias sobre a evolução geológica do planeta, motivo
pelo qual ele é considerado o Pai da Geologia Moderna. Uma delas veio de suas
observações de Siccar Point, na região costeira a leste de Edinburgo, na
Escócia, onde resolveu, para aquele momento, questão primordial para o
raciocínio geológico – a ideia do Tempo Profundo, segundo a qual, para a Terra,
não teria começo e nem fim. Essa forma de pensar foi fundamental para as ideias
de Darwin referentes à Seleção Natural. Outra ideia de Hutton foi a constatação
de que rochas, como o granito, não seriam originadas a partir da precipitação da
água do mar, como preconizava o modelo Neptunista, e sim, originada pelo
resfriamento de magma nas profundezas da crosta terrestre! Formulando, assim, a
nova teoria, denominada Plutonismo, com referência a Plutão – o Deus das
profundezas.
A origem das
rochas magmáticas (plutônicas) por resfriamento e solidificação do magma, e a intrusão
em rochas mais antigas, é amplamente aceito e comprovado por inúmeras pesquisas
científicas modernas. Mas aquela exposição de rochas que James Hutton observou,
em suas andanças, deixava isso de forma clara, como a observada nessa ponta da praia
da Fazenda.
Desenho feito por James Hutton, a partir de
suas observações em Tayside (Escócia), que mostra como um corpo de rocha
magmática, no caso um dique, se encaixa em rochas mais antigas, algo muito
semelhante ao observado na ponta sudeste da Praia da Fazenda, perto do Camping
Caracol.
Excelente vídeo
da BBC sobre James Hutton, e dos locais que estudou, encontra-se disponível no
endereço da internethttps://www.youtube.com/watch?v=8lsnSqYa1UU, para quem
deseja conhecer mais sobre as ideias de James Hutton nos locais de seus
estudos.
O diabásio, que
constitui os diques que cortam rochas graníticas mais antigas da região
costeira, é uma rocha que resiste menos ao intemperismo, tão intenso em nossa
região tropical. A rocha alterada é mais fácil de ser erodida, por isso os rios
se encaixam e certa entradas na costa se formam, como a Praia das Conchas, que
tem acesso por trilha que se inicia ao lado da bica de água dessa ponta da
praia da Fazenda. Seguindo por esta mesma trilha, por mais 20 minutos de
caminhada, chega-se à Praia Brava da Almada, uma das mais bonitas do litoral norte
paulista.
Praia
das Conchas, acessível por trilha (20 minutos) a partir da bica de água da
ponta sudoeste da Praia da Fazenda. Essa baía se formou pelo entalhamento de
outro dique de diabásio, também de direção noroeste, rocha esta que, por se
alterar mais, é mais facilmente erodida, dando origem à pequena baía e ao vale
que chega nela.
No caminho para a praia das Conchas, observa-se outra estrutura parecida
com o dique, só que menor e preenchida por outro material - Quartzo.
Por ser menor, é chamada de veio, mas é muito semelhante ao dique.
Veios
de Quartzo que cortam a rocha granítica, no caminho da praia das Conchas.
O diabásio, na praia das Conchas, apresenta uma interessante estrutura de
alteração, na forma de camadas concêntricas, feito uma cebola, chamada de
esfoliação esferoidal. Esse tipo de alteração ocorre devido à ação do
intemperismo através das fraturas, o que torna os blocos arredondados, não pela
movimentação deles, mas pela alteração, mais intensa nos vértices (onde a
superfície de contato com a água é maior), intermediária das arestas e menor
nas faces.
Processo
de alteração do diabásio. conhecido como esfoliação esferoidal, com o aspecto
acebolado da rocha, por se desfazer em “camadas”.
Através de projeto em desenvolvimento no Instituto de Geociências da USP –
o Geohereditas – Núcleo de Apoio à Pesquisa em Patrimônio Geológico e
Geoturismo, várias pesquisas pós-graduação vêm sendo desenvolvidas para melhor
entender a evolução geológica da região costeira e divulgar essas informações
para a sociedade, com treinamento de guias de turismo locais. Por meio desse
projeto, logo logo, informações sobre a geologia da região serão divulgados através
de painéis. Parte da geologia dessa trilha já foi divulgada (http://www.igc.usp.br/?id=661) e interpretações
geológicas de outras trilhas podem ser consultadas no endereço http://www.igc.usp.br/index.php?id=616
Mas estávamos todos de férias, lemos muito, passeamos e tivemos sorte com
o Sol, apenas nos últimos dias, pegamos chuvas.
Não
se pode deixar de lado a oportunidade de caminhar pelas pedregosas ruas de
Paraty, cada vez mais linda.
Acho que elas gostaram,
não?
Dicas de trilhas em Picinguaba
Dicas de trilhas em Picinguaba
http://www.ambiente.sp.gov.br/parque-serra-do-mar-nucleo-picinguaba/principais-atrativos/
Camping Caracol – Praia da Fazenda, Pinciguaba (Ubatuba, SP) Agendamento
prévio pelos e-mails mayli@campingcaracol.com.br
e campingcaracol@gmail.com
agradecimentos ao Prof. Elias Araujo pela revisão e
sugestões.
Excelente, além das informações sobre o camping, uma aula de geologia. Um abraço.
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